terça-feira, 18 de novembro de 2014

A crise do Direito


Nas faculdades de Direito brasileiras, como explicado por Lênio Luiz Streck[1], são ensinados, de um modo geral, apenas os “casos fáceis” (easy cases), baseados em um positivismo ultrapassado, reacionário, alienado da realidade social e das expectativas da sociedade.
Isso ocorre em grande parte, por culpa de uma legislação que não aderiu à modernidade tardia do Brasil e à Constituição Cidadã da República Federativa do Brasil de 1988, havendo, ainda, uma barreira, que impede que a legislação se adeque ao Estado Democrático de Direito do século XXI, fruto das conquistas sociais que custaram tão caro à população. Soma-se a isso a crise do Direito e do Ensino Jurídico, pois a função jurisdicional no Brasil é vista por muitos críticos[2] como ineficiente e com pouco retorno social, além de custar uma fortuna ao erário.
Os cursos jurídicos proliferam-se, a maioria deles com pouca qualidade, assim como os livros jurídicos, as dissertações de mestrado, os artigos de internet, entre outros, sem acrescentar nada de novo. A maioria dos alunos da graduação encara a monografia de conclusão de curso como um mero requisito formal para a obtenção do título de bacharel em Direito (ou do mítico título “doutor”), muitas vezes influenciados pelos próprios professores.
O que se vê são repetidas “teses” já batidas, muitas vezes plágios e cópias mal feitas uma das outras, como “a função social das empresas”, “a função social dos contratos”, “o casamento homoafetivo”, “a adoção de filhos por casais homoafetivos”, entre outros, como se não houvesse nada de novo ou mais interessantes no Direito. Ao contrário do que parece, o Direito é dinâmico e está em constante evolução, ao que se espera, para melhor. Sua aparência estática se deve em muito à jurisprudência conservadora, que muitas vezes é um mero “ctrl + c” “ctrl + v” de outras salvas nos computadores dos tribunais.
Como disse Lênio Luiz Streck em seu “Hermenêutica Jurídica e(m) Crise”[3], “De um trabalho de pós-graduação na Faculdade de Direito da USP, do longínquo de 1981, extrai-se a seguinte denúncia: 'O ensino do Direito como está posto favorece o imobilismo de alunos e professores. No esforço de renovação, uns atingem o grau de doutrinadores e o prestígio da cadeira universitária. Os outros, além do mítico título de 'doutor', obtêm a habilitação profissional que lhes permitem viver de um trabalho não braçal (white collar). A tarefa do ensino para o aluno é cumprida nestes termos: aprendido o abc do Processo e do Direito Civil, já está habilitado a viver de inventários e cobranças sem maior indagação. (…) É claro que este operário anônimo do Direito é necessário, mas por que deve ser inconsciente? (…)
Sua atividade passa a ser meramente formal, sem influencia no processo de tomada de decisão e no planejamento. O jurista formado por escolas, convém lembrar, não será apenas advogado: será também o juiz que fará parte, afinal de contas, de um dos poderes políticos do estado. A alienação do jurista, deste modo, colabora também na supressão das garantias de direitos. É que o centro de equilíbrio social (ou de legitimação) é colocado na eficiência, não no bem do homem. Começa-se a falar em um bem comum que só existe nas estatísticas dos planejadores, mas que a pobreza dos centros urbanos desmente. E, em nome desse bem comum, alcançável pela eficiência, sacrificam-se alguns valores que talvez não fosse inútil preservar'. Repito a pergunta feita anteriormente: o que mudou de lá para cá?
Respondendo a pergunta do nobre jurista, Lênio Luiz Streck, lamentavelmente, a resposta é afirmativa, e para pior. Agora, além da situação relatada no trabalho de 1981, o que se vê é uma expansão dos cursos de pós-graduação lato sensu (especializações) de qualidade duvidosa, assim como de “cursinhos” preparatórios para o exame da OAB, semelhantes aos pré-vestibulares e a proletarização da advocacia, que recebe cada vez mais salários baixos, em razão da desvalorização da profissão e dos maus profissionais da área, a ponto de vermos a situação absurda do advogado do goleiro Bruno, em um caso de repercussão nacional, ser flagrado fumando crack, algo inadmissível, sob a desculpa de que era dependente químico desta droga, geralmente usada por moradores de rua.
São muitos os relatos sobre o desrespeito aos advogados nos tribunais e todos conhecem o fenômeno da corrida desenfreada da classe média aos concursos públicos, almejando sonhos egoístas de terem uma boa remuneração, reconhecimento e estabilidade financeira, sem contribuir para a construção de um Brasil melhor. O serviço público se tornou a regra entre todos os estudantes de classe média, em especial dos bacharéis em Direito, que não veem alternativas ou oportunidade melhor na vida, em razão da má gestão pública, da corrupção e da falta de planejamento do Poder Público.
Com a “corrida maluca” aos concursos públicos, cresceu de forma exponencial a mercantilização do ensino jurídico, com a expansão do número de faculdades e de vagas nas universidades, que criam cursos vespertinos para ocupar o espaço inutilizado das salas de aula e com isso ganhar mais dinheiro, bem como de cursinhos que abrigam estudantes sem um pensamento crítico e sem bagagem jurídica suficiente para ocupar qualquer função pública.
Surgiu a figura dos “concurseiros” e do professor “show-man”, que é capaz de, até mesmo, cantar músicas para o aluno aprender, ou melhor, decorar, as matérias ensinadas. Em vez de ensinar o aluno a raciocinar, ensinam-se técnicas mnemônicas para facilitar a memorização dos alunos. É assustadora a péssima qualidade das publicações jurídicas, a ponto de duvidarmos da seriedade de como foram feitas e a acreditar que a sua função não era a de ensinar ou de fazer o leitor refletir, mas, simplesmente para serem usadas pelo autor como títulos para concursos. Isso reflete na má qualidade na prestação de toda a atividade jurisdicional brasileira. Os poucos profissionais que levam o Direito a sério acabam se destacando no meio da multidão de bacharéis em Direito, que são muitos, diga-se de passagem.
O Direito passou a ser encarado pelos estudantes como mero “decoreba” de leis, súmulas e jurisprudências, esquecendo os alunos que o Direito é também argumentar, questionar, pensar, repensar, desenvolver novas teorias e sair “dos muros” das universidades, pois o Direito é muito fechado em si mesmo, esquecendo-se das demais ciências sociais e humanas.
Essa cultura medíocre nas faculdades de Direito tem formado uma legião de pífios, de pessoas sem iniciativa e sem criatividade, que buscam no Direito a possibilidade de se acomodarem no conforto gerado pela sinecura de um serviço público. São os bacharéis concurseiros, muitas vezes meros portadores da carteira da OAB, que não vivenciam a vasta complexidade das ciências jurídicas, transformando-a em mera técnica para passar nos concursos públicos em todo o país. Enfim, o Direito no Brasil está em crise, devendo ser repensado em prol da sociedade e das futuras gerações.




[1] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
editora. 2009, pág. 81
[2] Veja Lênio Luiz Streck. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado editora. 2009
[3] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
editora. 2009, pág. 86

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