Nas faculdades de
Direito brasileiras, como explicado por Lênio Luiz Streck[1],
são ensinados, de um modo geral, apenas os “casos fáceis” (easy cases), baseados em um positivismo ultrapassado, reacionário, alienado
da realidade social e das expectativas da sociedade.
Isso ocorre em grande
parte, por culpa de uma legislação que não aderiu à modernidade tardia do
Brasil e à Constituição Cidadã da República Federativa do Brasil de 1988,
havendo, ainda, uma barreira, que impede que a legislação se adeque ao Estado
Democrático de Direito do século XXI, fruto das conquistas sociais que custaram
tão caro à população. Soma-se a isso a crise do Direito e do Ensino Jurídico,
pois a função jurisdicional no Brasil é vista por muitos críticos[2] como
ineficiente e com pouco retorno social, além de custar uma fortuna ao erário.
Os cursos jurídicos
proliferam-se, a maioria deles com pouca qualidade, assim como os livros
jurídicos, as dissertações de mestrado, os artigos de internet, entre outros,
sem acrescentar nada de novo. A maioria dos alunos da graduação encara a
monografia de conclusão de curso como um mero requisito formal para a obtenção
do título de bacharel em Direito (ou do mítico título “doutor”), muitas vezes
influenciados pelos próprios professores.
O que se vê são
repetidas “teses” já batidas, muitas vezes plágios e cópias mal feitas uma das
outras, como “a função social das empresas”, “a função social dos contratos”,
“o casamento homoafetivo”, “a adoção de filhos por casais homoafetivos”, entre
outros, como se não houvesse nada de novo ou mais interessantes no Direito. Ao
contrário do que parece, o Direito é dinâmico e está em constante evolução, ao
que se espera, para melhor. Sua aparência estática se deve em muito à
jurisprudência conservadora, que muitas vezes é um mero “ctrl + c” “ctrl + v”
de outras salvas nos computadores dos tribunais.
Como disse Lênio Luiz
Streck em seu “Hermenêutica Jurídica e(m) Crise”[3],
“De um trabalho de pós-graduação na Faculdade
de Direito da USP, do longínquo de 1981, extrai-se a seguinte denúncia: 'O
ensino do Direito como está posto favorece o imobilismo de alunos e
professores. No esforço de renovação, uns atingem o grau de doutrinadores e o
prestígio da cadeira universitária. Os outros, além do mítico título de
'doutor', obtêm a habilitação profissional que lhes permitem viver de um
trabalho não braçal (white collar). A tarefa do ensino para o aluno é cumprida
nestes termos: aprendido o abc do Processo e do Direito Civil, já está
habilitado a viver de inventários e cobranças sem maior indagação. (…) É claro
que este operário anônimo do Direito é necessário, mas por que deve ser
inconsciente? (…)
Sua
atividade passa a ser meramente formal, sem influencia no processo de tomada de
decisão e no planejamento. O jurista formado por escolas, convém lembrar, não
será apenas advogado: será também o juiz que fará parte, afinal de contas, de
um dos poderes políticos do estado. A alienação do jurista, deste modo,
colabora também na supressão das garantias de direitos. É que o centro de
equilíbrio social (ou de legitimação) é colocado na eficiência, não no bem do
homem. Começa-se a falar em um bem comum que só existe nas estatísticas dos
planejadores, mas que a pobreza dos centros urbanos desmente. E, em nome desse
bem comum, alcançável pela eficiência, sacrificam-se alguns valores que talvez
não fosse inútil preservar'. Repito a pergunta feita anteriormente: o que mudou
de lá para cá?”
Respondendo a pergunta
do nobre jurista, Lênio Luiz Streck, lamentavelmente, a resposta é afirmativa,
e para pior. Agora, além da situação relatada no trabalho de 1981, o que se vê
é uma expansão dos cursos de pós-graduação lato sensu (especializações)
de qualidade duvidosa, assim como de “cursinhos” preparatórios para o exame da
OAB, semelhantes aos pré-vestibulares e a proletarização da advocacia, que
recebe cada vez mais salários baixos, em razão da desvalorização da profissão e
dos maus profissionais da área, a ponto de vermos a situação absurda do
advogado do goleiro Bruno, em um caso de repercussão nacional, ser flagrado
fumando crack, algo inadmissível, sob a desculpa de que era dependente químico
desta droga, geralmente usada por moradores de rua.
São muitos os relatos
sobre o desrespeito aos advogados nos tribunais e todos conhecem o fenômeno da
corrida desenfreada da classe média aos concursos públicos, almejando sonhos
egoístas de terem uma boa remuneração, reconhecimento e estabilidade
financeira, sem contribuir para a construção de um Brasil melhor. O serviço
público se tornou a regra entre todos os estudantes de classe média, em
especial dos bacharéis em Direito, que não veem alternativas ou oportunidade
melhor na vida, em razão da má gestão pública, da corrupção e da falta de
planejamento do Poder Público.
Com a “corrida maluca”
aos concursos públicos, cresceu de forma exponencial a mercantilização do
ensino jurídico, com a expansão do número de faculdades e de vagas nas
universidades, que criam cursos vespertinos para ocupar o espaço inutilizado
das salas de aula e com isso ganhar mais dinheiro, bem como de cursinhos que
abrigam estudantes sem um pensamento crítico e sem bagagem jurídica suficiente
para ocupar qualquer função pública.
Surgiu a figura dos
“concurseiros” e do professor “show-man”, que é capaz de, até mesmo, cantar
músicas para o aluno aprender, ou melhor, decorar, as matérias ensinadas. Em
vez de ensinar o aluno a raciocinar, ensinam-se técnicas mnemônicas para
facilitar a memorização dos alunos. É assustadora a péssima qualidade das
publicações jurídicas, a ponto de duvidarmos da seriedade de como foram feitas
e a acreditar que a sua função não era a de ensinar ou de fazer o leitor
refletir, mas, simplesmente para serem usadas pelo autor como títulos para
concursos. Isso reflete na má qualidade na prestação de toda a atividade
jurisdicional brasileira. Os poucos profissionais que levam o Direito a sério
acabam se destacando no meio da multidão de bacharéis em Direito, que são
muitos, diga-se de passagem.
O Direito passou a ser
encarado pelos estudantes como mero “decoreba” de leis, súmulas e
jurisprudências, esquecendo os alunos que o Direito é também argumentar, questionar, pensar, repensar, desenvolver
novas teorias e sair “dos muros” das universidades, pois o Direito é muito
fechado em si mesmo, esquecendo-se das demais ciências sociais e humanas.
Essa
cultura medíocre nas faculdades de Direito tem formado uma legião de pífios, de
pessoas sem iniciativa e sem criatividade, que buscam no Direito a possibilidade
de se acomodarem no conforto gerado pela sinecura de um serviço público. São os
bacharéis concurseiros, muitas vezes meros portadores da carteira da OAB, que
não vivenciam a vasta complexidade das ciências jurídicas, transformando-a em
mera técnica para passar nos concursos públicos em todo o país. Enfim, o
Direito no Brasil está em crise, devendo ser repensado em prol da sociedade e
das futuras gerações.
[1] STRECK, Lênio
Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado
editora.
2009, pág. 81
[2] Veja Lênio Luiz
Streck. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria
do advogado editora. 2009
[3] STRECK, Lênio
Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado
editora. 2009, pág. 86
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